segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Uma luta que soma e o comentário sobre a Valente.

Uma das coisas mais recompensantes de se ter um blog, na minha opinião, são as discussões que podem ser geradas a partir de um post. Trata-se de um processo enriquecedor, disso não há dúvidas. Não há nada melhor que receber links e até mesmo sugestões que adicionem e ampliem os nossos horizontes.

Dias atrás eu tratei da galera do “me convence”, que faz questão de levar suas discordâncias a extremos, de forma a não engendrar crescimento em absolutamente nenhuma das partes envolvidas. Hoje, porém, eu gostaria de celebrar e reconhecer o valor de alguns comentários que somam. Acreditem, em tempos nebulosos em que diversas vozes minoritárias são silenciadas pelo mundo, são comentários assim que nos deixam a certeza de que nossos esforços não têm sido em vão.

Queria portanto agradecer a cada pessoa que dispôs de algum tempo para acrescentar algo às discussões. Seja através de relatos pessoais, através de exemplos que amplifiquem o nosso campo de visão acerca de determinado assunto, seja simplesmente nos dando força e dizendo “é isso aí, adorei o blog!”. Fica de minha parte e da parte de todas nós do Ativismo, os mais sinceros agradecimentos.

E gostaria de dar visibilidade a um comentário que me tocou muito. Trata-se do comentário da Ana, sobre o meu post acerca do filme Valente. Ana, muito, muito obrigada!  Eu assisti "Como treinar seu Dragão" esse fim de semana e não poderia concordar mais com tudo que você escreveu.

Então é isso, amgs. Fiquem com o comentário da Ana e, se possível, discutam, sugiram, nos ajudem nessa construção de um ativismo que é muito maior que qualquer uma de nós.



 Atenção: Contém Spoilers :)

"(I)
Muuuito atrasada, mas vamos lá.

FINALMENTE UMA CRÍTICA POSITIVA DE VALENTE.
E gostei muito das informações sobre a simbologia do urso :D

Eu sei que fui burra, mas caí em tentação e li alguns textos na internet antes de ver o filme. Fui pro cinema com a minha mãe bem desanimada por isso, mas depois de assistir, saí indignada com quem falou mal da história >:|

É perfeita? Não, não é. Mas é um ótimo primeiro passo.
Sou filha de mãe solteira e sinceramente, eu estou de saco cheio de ir pro cinema e passar o maior climão porque a história toda gira em torno da figura paterna. Podem me xingar de paranóica whatsoever, mas eu preciso desabafar.

Sei que ninguém tem nada haver com isso, mas meu pai era uma pessoa horrível, e Valente é o primeiro filme que não me deixa desconfortável em momento nenhum; não me faz lembrar do rombo que ele deixou. Nada contra a figura paterna, mas puxa, nunca antes na história desse país eu tinha saído tão leve de um filme.
Se a conta fosse 50%/50%, tudo bem. Mas a maioria esmagadora não trabalha a relação com a mãe - e mesmo os que tem mãe presente no roteiro não chegam aos pés de Valente. O foco nunca tinha sido esse. É difícil de explicar, e sei que não é um argumento plausível para crítica por ser muito pessoal, mas pra mim é muito importante. Esse foco na relação mãe-e-filha teve um impacto muito forte em mim, muito tangível. Mais do que perceber ou analisar, eu senti a diferença. Senti.
Me sinto obrigada a dizer, pensando nas tantas outras que são como eu: esse filme me trouxe um alívio tremendo. Pela primeira vez saí do cinema sabendo que aquele entretenimento era meu E da minha mãe, nosso, sobre a nossa relação. Até hoje, tudo o que eu via precisava entortar pra fazer caber na minha realidade, ainda que me identificasse com o drama.

Eu tinha, TINHA que dizer isso. Podem me chamar de egoísta, mas eu não me sentia representada por outras histórias onde a relação com a mãe não era tão importante. Eu estava, sim, esperando avidamente por algo que falasse um pouquinho do que eu vivo.

Pra mim, Valente dialoga muito com 'Como Treinar o Seu Dragão', da DreamWorks (maravilhoso, estupendo, recomendo muito, muito mesmo). O cenário, a coisa viking/celta, gente ruiva por todo o lado, rs... Em CTSD, Stoico, Chefe de Tribo Viking, tem altas expectativas para seu filho, Soluço; do mesmo jeito que a Rainha Elinor tem expectativas para Merida.

A diferença gritante - Stoico quer um filho Guerreiro, Matador de Dragões; Elinor quer uma filha princesa, casada por convenção (Depois desigualdade entre gêneros é tudo invenção da cabeça de feminista doida...)

Eu ficaria muito, muito feliz se a DW sentisse uma pressãozinha básica pra ter uma protagonista mulher. Eu gosto muito do jeito que eles zombam dos contos de fada em Shrek, e CTSD é uma obra prima, acho que podia sair coisa muito boa do estúdio.





(II)
O filme tem cenas maravilhosas e muito emocionantes. Eu cito:

- a competição de arqueiros: ato de rebeldia e independência sem igual, Merida atirando aquelas flechas pra mim foi ÉPICO

- a briga de Elinor e Merida, o corte na tapeçaria e o arco no fogo: a tapeçaria me lembrou muito as fotos de família que mães tanto amam, cortá-la foi algo muito simbólico. Vi gente chamando Merida de mimada, mas eu discordo. Veja, “Eu prefiro morrer a ser como você” É um exagero, mas É a cara de uma adolescente. Já vi isso na vida real, e por coisas muito menores que um casamento.

Aliás, acho bom ressaltar o peso do casamento. Dá pra ser pior que se sentir sozinha, desamparada, e forçada a tomar uma decisão que vai mudar sua vida drasticamente? Merida está DESESPERADA, e por motivos fortes. É um casamento, caramba. É mais que passar o final de semana sem vídeo game, é mais que um capricho, é uma razão muito forte pra se rebelar. Ela é princesa, querem pautar sua vida toda nisso, a mãe que é tecnicamente a pessoa mais próxima dela é justamente quem não a apóia. Ela é vítima de uma injustiça descarada e não tem pra onde correr. Acaba passando dos limites. Não é justificável, mas pra mim é plausível. 

A mãe, por outro lado, tem suas razões e está tão angustiada quanto a filha. Resultado: reage com uma agressão igualmente violenta – joga o precioso arco no fogo.
Merida cortou a relação entre ela e sua mãe; Elinor queimou a independência da filha. É uma batalha, elas machucam uma à outra de maneira feroz porque estão ambas desesperadas; é um cabo de guerra. Obviamente, em guerra ninguém ganha nada. Ambas saem sangrando, ambas são vítima e algoz ao mesmo tempo. Elinor entra em pânico logo depois de jogar o arco no fogo porque ela sabe, ela tem perfeita noção do quão tremendamente importante ele é para a filha e quão devastada Merida fica sem sua liberdade, que é sua marca maior. Merida se embrenha na mata chorando. É traumático.

- o momento em que Merida fica trancada no quarto, assistindo um pelotão de homens saindo à caça de sua mãe: além de rebelde, Merida me parece uma otimista incorrigível. A verdade é que, não importa o quão ruim a situação pareça, ela continua crendo que tudo vai dar certo e que ‘não é tão grave assim’. Ela só reconhece o perigo quando é deixada no castelo. Só aí ela percebe que as coisas perderam o rumo, que o ‘acidente bobinho’ com a poção pode acabar custando a vida da mãe. Merida chora, lamenta, e pra mim é nesse momento que ela se arrepende verdadeiramente, é o momento da redenção.

- a breve luta com o pai, já quando a mãe ursa está subjugada: Gostei de ver Merida lutando, literalmente, pra defender a mãe. Sei que a cena no castelo impressionou também, mas do lado de fora eu vi a força à serviço da proteção. Quantas vezes vimos homens lutando para salvar donzelas indefesas? Merida lutou, na base do muque, para proteger a mãe. Foi mais do que apaziguar, mais que se jogar na frente, foi ativo.



- a luta entre a mãe ursa e o herdeiro amaldiçoado: Elinor tinha muitos defeitos, era cheia de não-me-toques, mas quando Merida estava em perigo, ela se transformou. Foi para o ringue, no final é isso que todas as mães acabam fazendo. Pra mim foi muito significativo ver a mamãe rainha da elegância rolando na grama com o maldito que tentou machucar sua filha. Eu não pude deixar de imaginar como seria a cena com seres humanos. Pra mim foi o momento mais épico da história. ‘Ninguém mexe com meus filhos!’ – e de repente o mundo desaparece, a coroa e todas as obrigações sociais se vão pelo ar, porque não há nada que uma mãe não faça pra salvar uma filha.

(III)
Finalizando, e eu me desculpo sinceramente pelo comentário exagerado, Valente é um bom filme, com emoção e profundidade. Talvez não seja tão bem humorado quanto muitos queriam, mas tem cenas lindas, épicas, cheias de significado. Não é perfeito nem de perto mas é o pontapé inicial que precisávamos.

Vi críticas à figura apática do pai, mas como vejo casais assim na vida real, tenho que dar o braço a torcer e dizer que aquele pai nada mais é que um retrato do que pode existir por aí.


A parte que mais me decepcionou foi o discursinho de Merida ‘conquistem meu coração primeiro’ e blablabla. Tudo bem, quebramos a tradição, ela não vai ter que casar, yay. Mas eu ainda acho que a autonomia de Merida sobre seu destino devia ficar mais clara como um direito, e não apenas uma concessão.

Por hoje é “só” isso, porque não me lembro de mais nada que queira comentar XD"

6 comentários:

  1. Meninas, na verdade queria saber se vocês vão fazer um post falando do comercial tosco da Marisa!!! Minhas amigas e eu estamos indignadas
    Beijos

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  2. Sério, chorei lendo esse comentário. Na minha casa minha mãe sempre foi a Elinor, e meu pai sempre foi um figurante pq nunca se importou efetivamente com o que acontecia.

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  3. Quem julga o comportamento da Merida não deve ter passado pela faixa dos 12-17 anos, ou deve ter nascido um ser humano perfeitamente evoluído. O comportamento dela é bem fiel com a adolescência (pelo menos com a que eu tive e das pessoas com quem tinha contato), ainda mais por essa questão da mãe decepcioná-la (essa fase que a gente começa a perceber que nossos pais não são perfeitos, nem estão aqui para servir todos nossos desejos e tal). Perdi a conta de quantas vezes falei "não pedi pra nascer!" (e, como a Ana disse, por coisas muito mais banais do que um casamento forçado) e fui escrota num geral com a minha mãe. Não justifica o comportamento, é uma coisa horrível, mas ninguém nasce sabendo essas coisas.

    Enfim. Me deixa triste saber que teve gente malhando esse filme lindo. :( E me identifiquei muito com o comentário da Ana, porque minha também me criou sozinha. Foi muito bom poder ir ao cinema com ela e ver uma história feita pra gente, que nós conseguimos nos identificar plenamente (e talvez por isso a gente chorou tanto com o filme. Depois de A Bela e a Fera, Rei Leão, Procurando Nemo e tantos outros filmes com relação pai/filhx, é maravilhoso ver um sobre mãe/filha.

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    1. Pois é, não entendo que as pessoas julguem tanto a Merida sendo que eu mesma sei que quando era adolescente eu briguei muito com minha mãe sem motivo algum. Falei coisas desnecessárias e afins. E tenho certeza que não fui a única e nem a última a fazer isso.

      É exatamente como você falou, Ferfa, nessa época a gente saca que nossos pais não os super heróis que a gente achava que eles eram e acabamos sendo escrotos com eles. Quando cheguei do filme corri pra dar aquele abraço na minha mãe e dizer o quanto a amo, porque eu vi como eu errei ao tratá-la mal nessa época.

      Eu amei o filme porque ele clareou minha mente, eu nunca tinha visto tão bem o quanto eu amo minha mãe, como ela é importante pra mim e como nós somos companheiras acima de nossas diferenças. <3

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  4. ... Pra variar, perdi o bonde de novo! Ahahaha

    Nossa, adorei ler os comentários, ver que teve gente se identificando com o que eu disse... Obrigada pelo espaço :) E obrigada a quem leu e comentou!


    @Flávia
    "Ana, muito, muito obrigada! Eu assisti "Como treinar seu Dragão" esse fim de semana e não poderia concordar mais com tudo que você escreveu."

    Você assistiu CTSD? Que bom!! :D
    Eu me arrependo tanto de não ter visto esse filme no cinema! (já jurei que vou ver a sequência nem que tenha que me arrastar até o cinema).

    @22:23
    "lindo post!"

    Que bom que você gostou! :D

    @Dani
    "Sério, chorei lendo esse comentário. Na minha casa minha mãe sempre foi a Elinor, e meu pai sempre foi um figurante pq nunca se importou efetivamente com o que acontecia."

    Puxa, Dani. Poisé, existem mesmo muitas famílias assim. Acho que entendo um pouco o seu comentário porque apesar de não ter passado por isso, conheço casais que se encaixam no modelo como uma luva e já vi os filhos passarem por umas e outras =/

    E mesmo eu... Bem, um dos maiores problemas de só ter um pai é que, quando o tempo fecha, não tem ninguém pra interceder por você. Não tem nenhum outro ponto de vista, nenhuma segunda opinião, nenhum par de pernas pra você se esconder atrás. Ficar à mercê do julgamento de apenas um de seus pais é ruim porque, como estamos falando de seres humanos, naturalmente vez que outra eles erram sem querer - e aí sem ninguém para abrir seus olhos, os filhos têm que aguentar o rojão sem um piu, paciência. Não importa o quão injusto seja, não tem nada que se possa fazer.

    Imagino que ter os dois pais mas um deles não ter voz não seja muito melhor... =/

    @Ferfa
    "E me identifiquei muito com o comentário da Ana, porque minha também me criou sozinha. Foi muito bom poder ir ao cinema com ela e ver uma história feita pra gente, que nós conseguimos nos identificar plenamente (e talvez por isso a gente chorou tanto com o filme. Depois de A Bela e a Fera, Rei Leão, Procurando Nemo e tantos outros filmes com relação pai/filhx, é maravilhoso ver um sobre mãe/filha."

    ... ai que invejinha, a única reação que eu tive da minha mãe foi tipo 'ai não acho que a protagonista ser mulher faça tanta diferença, você só repara nisso por que é feminista' XD Mas tudo bem.

    Concordo em gênero, número e grau com você, foi maravilhoso ver algo sobre mães e filhas :) É outra coisa, né?

    @Thaís
    "Quando cheguei do filme corri pra dar aquele abraço na minha mãe e dizer o quanto a amo, porque eu vi como eu errei ao tratá-la mal nessa época."

    aaaawwww <3

    Eu e minha mãe passamos váários apertos quando eu entrei na adolescência. É uma fase muito difícil, o que mais ficou marcado em mim era a dificuldade tremenda que eu tinha de dominar meus sentimentos. Me parecia que eu não estava nunca no controle de nada - principalmente da minha língua afiada. Não fui muito de dar piti, mas 11 de 10 coisas que eu falava eram irônicas, e como minha mãe odeia ironias... BOOOM! Eu sabia perfeitamente que ela não gostava, e que eu a machucava muito às vezes, mas eu não conseguia ficar de boca fechada D:

    Me lembro de tentar me isolar quando percebia que as coisas estavam descambando, mas minha mãe estava ávida por contato mãe-filha, então quanto mais eu tentava melhorar as coisas ficando na minha, pior a situação ficava. Eu hoje percebo que cuidar de mim durante toda minha infância exigiu muito dela e que quando me tornei adolescente ela viu uma chance de transformar aquela criança de quem ela tomava conta em uma parceira com quem ela pudesse contar. Mas na época... Pffff, auto-controle era tão possível quanto escalar o Everest ¬¬

    Acho que simpatizei com a Merida por ter essas lembranças ainda frescas na minha memória...

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